terça-feira, 8 de novembro de 2016

Crônicas do Cotidiano XVII - Massacre

Para tudo, uma dieta, um preconceito – ou devo dizer opinião? -, uma cartilha comportamental, uma ofensinha, uma olhada torta, uma piadinha de escárnio. Parece que quanto mais a espécie “evolui”, mais retorna à selvageria. Mãe pegando faca para filha que, numa brincadeira, diz ser homossexual. Funcionários CLT aclamando governo neoliberal. Estudantes tendo que ocupar suas escolas para terem garantido o direito ao ensino. Abaixo assinados pedindo o fim da morte de animais em testes de produtos de beleza. Carros estacionados em vagas para deficientes. Taxas altíssimas de suicídio. O dólar alto choca mais do que famílias sem comida na mesa. Mulheres hostilizadas e mortas a cada minuto, de formas inimaginavelmente violenta. Crianças e adolescentes mortos pelo crime vistos como lixo que saiu do meio do caminho. Transexuais apedrejadas e mortas, porque na sociedade, “viado não tem vez”. Polícia militar cegando e aleijando cidadãs e cidadãos deliberadamente – e sendo elogiada pelos (de)feitos.

Meio a uma verdadeira diarreia de falsos moralismos, vidas vão se perdendo, dignidade vai sendo dissolvida pelo ácido da engrenagem capitalista, ter opinião virou sinônimo de manifestar descaradamente os tipos mais nocivos – e nojentos – de preconceito.

Rivotril, Sertralina, Fluoxetina, Dizepam, Bromazepam, as balinhas mágicas para auxiliar no controle às dores da alma que não podem ser sanadas, porque fazer terapia – e se permitir simplesmente sentir - AINDA é coisa de louco e descer de cima do muro é um absurdo, girar no sentido contrário é massacrante demais – falar mal de quem o faz e usufruir dos benefícios da coragem destes ainda é mais fácil. Isso sem mencionar a famigerada Ritalina, a droga para “adultificar” as crianças, a droga do bom comportamento, da submissão, da roupa limpa, do silêncio e ordem em casa, da anestesia da falta que a família faz; depois de tanta luta para que a infância fosse compreendida como uma fase do desenvolvimento humano, junto ao capitalismo, vem a necessidade de ter mini adultos em casa, que não demandem tempo nem paciência, pois o tempo urge e é preciso “correr atrás”, porque no futuro, os pequenos, já crescidos, agradecerão a qualidade – financeira -  de vida que lhes foi proporcionada, mesmo que para isso tivessem a infância massacrada.

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Os sentimentos só são belos nos posts no Facebook, nas músicas e nos filmes, porque na vida real, o que conta é a capacidade de ser indiferente, obediente e disforme – para poder assumir a forma que for mais conveniente e trouxer mais lucro.

Na selva de concreto, cada vez há menos lugar para aquilo que nos torna humanos. Aquela máxima de Nietzsche “torna-te quem tu és”, foi substituída por “torna-te quem for te dar maior lucro e poder”, o que é imensamente triste, porque forma uma sociedade de mentira, pré-fabricada, que não aceita o diferente, não lida com emoções nem sentimentos, ignora as subjetividades. O ser humano conseguiu criar uma sociedade que agride a si mesmo, infelizmente. Foram criados conceitos universais e cristalizados de certo e errado, fazendo com que todos entrassem numa briga insana e eterna para serem “a pessoa certa, no local e hora certos, para a função certa”. Não ser a pessoa “certa”, que está no local e hora “certos” não é errado! É justamente isso que nos faz humanos!

Não sinta - racionalize. Não pense - reproduza. Não aja – obedeça.