terça-feira, 24 de outubro de 2017

Crônicas do Cotidiano XX - Os 4 capítulos e o reinício de um ciclo


“É fevereiro (fevereiro!), tem carnaval (tem carnaval!)”

Primeiro, te fiz crer que Deus havia lembrado de ti ao me colocar em teu caminho. Fui frio na barriga, noites em claro trocando mensagens, o sorriso bobo diante da mensagem às 5 da manhã, o flerte gostoso, que foi, aos poucos, mostrando as coisas boas, tanto daí, quanto de cá. Fui a sakura florida na saída do metrô Liberdade, que confere cor, leveza e encanto aos corações apressados e aos passos rápidos no concreto da calçada, que muitas vezes massacram um broto de flor em alguma rachadura sem sequer perceber.



“Tipo passarinhos, soltos, a voar, dispostos a achar um ninho”

O outono chegou, o vento apertou e algumas flores foram embora, deixando alguns galhos mais secos à mostra. Tudo bem, afinal, sou humano e você já esperava tais partes não tão floridas, coloridas e cheirosas e me senti à vontade para compartilhar algumas insatisfações, alguns traumas, algumas partes desagradáveis; me senti à vontade para pedir apoio quando o All Star machucou o calcanhar. Mas ainda havia aquele encanto, de perceber que não há perfeição. O rosa das flores ainda sobrepunha o marrom dos os galhos secos.



“Ele também é humano”

Junto com o vento frio do inverno, veio o céu nublado, a garoa e as flores foram todas embora. Os transeuntes entram e saem do metrô, embaixo de seus guarda chuvas, esbarrando uns nos outros, pisando em poças d’água e xingando por terem molhado seus sapatos. A sakura perde seu brilho e passa a ser só mais um amontoado de galhos secos que ganham destaque no contraste com o céu nublado. Algumas gotas de chuva fazem morada em minha barba. A beleza escorre pelo meio fio e se perde na primeira boca de lobo, levando algumas bitucas e restos de papeis de bala consigo.



“Não quero problemas”

Isso não se referia somente a relações problemáticas, mas a problemas cotidianos, àquelas casquinhas de feridas antigas e ainda doloridas, aos arranhões do dia a dia, aos incômodos, a qualquer coisa que pudesse caber na caixinha de ‘problemas’ – e os meus, óbvio, sempre eram menores, não mereciam atenção, pois eu reclamava da angústia que sinto quando tiro a barba e você sempre me lembrava das pessoas na hemodiálise. Nunca vi tanta necessidade nem urgência em seguir à risca o indicado pelo pronome “meu”, ao falar de ‘meus’ problemas. Sempre pensei que quando a gente procura alguém para contar o que nos aflige, é porque confiamos e queremos nos sentir acolhidos. Mas não com você, que faz sempre questão de me empurrar do ninho e manda aquele “voa logo e não me incomoda piando, que tenho mais coisas na vida a serem feitas”. Era primavera. O piado era de alegria por ter tantas flores ao redor de si e compreender que mesmo aquelas flores que não eram tão perfeitas, também tinham sua beleza e também tinham seu perfume.



“O sol, céu azul e calor me fazem agradecer a vida”

Ahhhh, o verão... A areia fina entre os dedos dos pés, o barulho do mar, o coração feliz, as diferentes tonalidades de pele à mostra, a impressão de que tudo havia acalmado e a resignação diante de adaptações, afinal, ninguém tem obrigação de me acolher e me compreender; se estou mal – quem ESTOU? – é uma responsabilidade única e exclusivamente MINHA; para que e por que procurar dividir com a pessoa que um dia me disse que eu havia sido o motivo de seu sorriso bobo e que não me queria somente quando eu estivesse bem, mesmo que desejasse que eu estivesse sempre bem?
No verão, a gente sorri com o choro entalado, concorda com vontade de gritar o quanto realmente discorda, agradece a vida mesmo sentindo vontade de mandar Deus se foder. No verão, a gente bate o dedinho na quina do móvel de ébano e sorri ao invés de xingar até a terceira geração do marceneiro. No verão, a gente encarna a persona da Amélia, sorri e acena, pede perdão antes de errar, muda a anatomia da garganta para poder caber o nó sem fazer chorar. No verão, tudo é lindo; seja por estarmos apaixonados, lendo e ouvindo aquelas frases que nos fazem sentir o homem mais especial do mundo, seja porque nos deixamos cativar pela raposa no verão passado, seja por termos aprendido a amar nossa rosa e todos os seus espinhos.



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