sexta-feira, 8 de julho de 2016

Estátua

Fria, de mármore, feição impassível, estática. Não respira, não pisca, não se move, não erra nem acerta, não vive! Absorveu cada pancada dada enquanto esculpida e se trancou dentro do mármore e de sua frieza.
Observa tudo, percebe cada detalhe mas permanece em silêncio.
Sente, absorve, memoriza. Não se move.
Tem olhos cegos (física e emocionalmente), orelhas que não escutam, pele que não sente (só retribui afeto com frieza), nariz incapaz de sentir qualquer tipo de aroma, boca incapaz de proferir qualquer vocábulo (muito menos retribuir o toque de outra boca).
Reverbera com todo seu corpo cada palavra dita ao seu redor, se esconde ao mesmo tempo em que mostra sua superfície – lisa e fria - a quem quiser ver e até tocar.

Mesmo rodeada, admirada e cobiçada, vive a mais fodida genuína de todas as solidões: aquela pela qual optou.
Não aceita aquilo que oferece. Interpreta como maus tratos o que oferece como proteção.
É, realmente, uma estátua: desprovida de cérebro e de coração. Apenas uma imagem semelhante à de um ser humano, porém sem coração nem cérebro, incapaz de sentir e processar. Apenas existe porque foi criada, esculpida pelas cobras na cabeça de uma Medusa de alma atormentada, perdida e barulhenta - com a qual, vale dizer, identificou-se um dia.
Filha do sentimento distorcido e incapaz de se mover em direção à versão pura de todo o sentimento que motivou sua criação.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Crônicas do Cotidiano XVII - Sobre as "cascas" da vida

De um tempo para cá, o Facebook passou a mostrar publicações passadas, de um ano, dois atrás e é engraçado, porque estas publicações mais antigas trazem os mais diversos tipos de sentimentos e emoções, da vergonha à mais pura saudade. Sinto, desde a vontade de simplesmente ignorar, olhar para cima e agradecer pelas mudanças que o tempo trouxe consigo, à vontade de voltar naquele dia específico e reviver situações bastante específicas, minutos, até mesmo aqueles segundos de duração de um sorriso ou de um abraço.
É engraçado como o tempo passa sem que possamos perceber. Sempre que topamos em alguma lembrança, percebemos a velocidade dele, percebemos o quão efêmeras são as situações, as relações, aqueles instantes preciosos que passam e deixam pequenas (grandes) marcas no coração. Fica tão claro o amadurecimento, que chega a assustar.
Me peguei pensando: daqui a um ano, quando o Facebook me mostrar as lembranças do dia de hoje, será que sentirei saudade, vontade de voltar (como senti hoje), ou será que darei graças a Deus pelo passar do tempo?

Pensando aqui com meus botões, não sei até que ponto foi bom ter aprendido a lição de viver intensamente o hoje, me entregar ao momento, ao presente, aos instantes preciosos que ficam cristalizados no coração. Aprendi, mas não sei lidar. Sou péssima em lidar com meus próprios sentimentos, o que é absurdamente contraditório, já que os sentimentos dos outros aparecem para mim como uma planilha do Excel, totalmente claros e organizados. Também não sei lidar com o produto de ter aprendido a viver somente a minha idade e tudo o que vem com ela. Sei sentir, mas não sei o que fazer com o sentir, em si. Mas aí, lembro do meu querido Kant, dizendo que a gente nunca vai conhecer a essência das coisas em si, uma vez que não conseguimos dominar nossos instintos (que nos permitiria este acesso à essência das coisas em si, à verdade) e que meus sentimentos são exatamente o produto desta falta de controle dos instintos, que acaba me cegando.

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Apesar de todas essas angústias, percebi que aquela armadura emocional que a maioria das pessoas vão criando no coração com o passar do tempo, também está chegando por aqui. O silêncio diante de situações que, há alguns anos, me fariam gritar meu ponto de vista (hoje, são reflexões silenciosas. No máximo, um texto.), as indiretinhas amorosas (que hoje, em sua maioria, são caladas, abafadas e atropeladas pela praticidade), os desabafos (que hoje ficam salvos numa pasta no computador).
Ainda atropelo as coisas, me perco entre sentimentos e razão, mas consigo me enxergar um pouco mais racional, por incrível que pareça, e sempre critiquei quem permitiu que o tempo criasse esta espécie de “casca” no coração e cá estou eu, usufruindo da proteção das primeiras camadas dela, me permitindo ficar imersa, protegida, no escuro e no silêncio que esta casca traz, nessa espécie de “útero” que a vida vai criando aos poucos e que tendemos a permanecer deitadas, encolhidinhas, aconchegadas entre lembranças doces e vergonhas, entre sonhos e cutucões da realidade, entre conquistas e frustrações.
Cada vez menos pessoas passam a cruzar essas cascas, o silêncio e a reflexão vão aumentando, a tolerância à dor tende a aumentar, o silêncio e a solidão passam a ser os melhores analgésicos, o travesseiro se torna o maior e melhor confidente e o sorriso no rosto no dia seguinte passa a ser presença obrigatória – dá uma preguiça imensa de dividir com as pessoas o que se passa aqui dentro, ficar “esticando chiclete”, revivendo e cutucando aquilo que machuca e incomoda.

Por ora, ainda desejo ter alguém que esteja sempre dentro dessas cascas, de mãos dadas comigo e de peito igualmente aberto, mas sinto, cada vez mais, a cada frustração, as cascas engrossando e diminuindo a possibilidade de que alguém, além das duas ou três pessoas que entram e saem quando querem, poder entrar e sair daqui.