Bar à meia luz, fumaça de
cigarro, cheiro de bebida barata e mesas de madeira, meio úmidas, acompanhadas
por cadeiras igualmente úmidas e velhas, compõem o cenário do show.
Todas as luzes são apagadas e,
após três segundos, somente um foco de luz amarelada surge em cima do balcão
imundo e engordurado, repleto de marcas de copos. Dali, aparece uma sapatilha,
rota e suja, com o gesso à mostra. Ao fundo, Sugarplum Fairy tocando no gramofone empoeirado.
Ela sobe naquele balcão e dança. Dança
como se fosse a prima ballerina do
Bolshoi. Ela sente-se assim.
Seus cabelos estão desgrenhados,
caindo do coque, escorregando entre os olhos e grudando em sua pele oleosa,
entrecortando seu olhar melancólico, cor de esmeralda, com cílios imensos e
rímel vagabundo passado de qualquer jeito, esfarelando.
Em seu pescoço, é possível
observar a jugular pulsando. Sua boca está seca e rachada.
Lágrimas misturam-se à face
oleosa e somem nas rachaduras de seus lábios.
Sua dança é lenta, dolorosa,
árdua. Feito as músicas de Maysa.
Em um momento de ilusória
alegria, durante seus fouettés, sente
algo em suas pernas. Quente. Espesso. Não se preocupa em saber do que se trata,
pois sua sensação de plenitude não a permite desviar o foco.
Uma mão a toca na panturrilha. Imediatamente,
ela para.
Mãos grandes, dedos finos, unhas
compridas, arredondadas e vermelhas. Toque carinhoso.
-
Desça. – Diz aquela mulher com chapéu preto e cachos dourados que vão até a cintura.
Ela desce, cabisbaixa, esboçando
um sorriso, com o canto da boca trêmulo e sem fazer contato visual – pois não?
-
Vamos. – Cochicha, a envolve em um sobretudo preto, abraçando-a por cima dos
ombros e andando em direção à porta, com passos largos, do alto de um Louboutin de 15cm.
Nesse momento, ela olha para trás
e percebe o rastro de sangue atrás de si e os risos de escárnio que foram
silenciados pela eloquência e entrega dela à dança.
Sim, ela estava indo embora. Mas havia
deixado, permanentemente, várias marcas de si naquele lugar tão imundo quanto
os cantos mais reservados de sua alma, quanto o sangue inútil que seu corpo,
mais uma vez, expulsou, cumprindo seu ciclo.
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