terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Crônicas do Cotidiano XXI - Sobre estar cansada

“Se eu não tenho o que quero, me sinto só e triste. E se eu tenho o que eu quero, tenho certeza de que irei perder. E a espera é insuportável” essa madrugada, assistindo Flores Raras e pensando em tudo o que aconteceu na última semana, essa frase da Bishop me descreveu perfeitamente. E eu ainda acrescentaria que acabo fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para antecipar a perda e findar a espera.
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Escolhi esse filme porque me identifico com a sensação de não-pertencimento a alguém e/ou a algum lugar que a Bishop tem. Essa coisa imensa, que é tão grande e tão vazia que não cabe dentro de si e acaba escorregando para uma folha de papel, e, no caso dela, para um copo com whisky. No meu, para comprimidos que me colocam para dormir e me levam a uma temporária não-existência, que acalma a aflição de me sentir solta e vazia, feito um daqueles balões de hélio, que têm aquela forma extravagante, brilhante e chamativa, mas dentro de si, têm um vazio tão grande que chegam a ser mais leves do que a gravidade e voam alto até explodirem e, definitivamente, deixarem de existir e logo virem outros para o substituírem.
É um vazio tão meu e tão repleto de monstros enjaulados e fortemente acorrentados a bolas de ferro, que me faltam palavras para transpor a sensação à compreensão. É um esforço imenso para manter todos devidamente enjaulados; às vezes, dá a impressão de que as jaulas cederão e todos serão libertos, para me consumirem e me fazerem explodir e simplesmente deixar de existir. Antes, me causavam uma dor profunda. Hoje, me cansam profundamente, me levam à exaustão diante de gatilhos ínfimos, pois são anos tentando mantê-los contidos e longe de mim de das pessoas pelas quais mais sinto carinho. Ainda assim, vez ou outra, escapam e causam estragos extremamente dolorosos. Me sinto impotente diante de mim mesma.
Sempre tento fazer vista-grossa para esse esforço diário, mas há momentos em que simplesmente esmoreço diante de mim mesma, derreto na frente do espelho e meu reflexo permanece impávido, me observando do alto de seus 1,73m, balançando a cabeça em sinal de reprovação. Nesse momento, sinto vontade de ser absorvida pelo chão, desaparecer e deixar apenas que meu reflexo exista, pois ele é mais forte que eu; sobrevive dentro do vidro, não pode ser tocado, pois o vidro o protege, não sofre nem sente nada. É fruto da refração da minha forma externa, sem todo o tormento e cansaço internos.
Já tentei e quis muito tirar minha vida, mas a impressão que tenho é a de que continuarei vivendo nessa trincheira mesmo depois de não ter mais domínio sobre meu corpo físico; é maior, vai além. Sinto que continuarei sendo acompanhada por cada uma das jaulas pesadas, enferrujadas e que porcamente detêm esses inquilinos indesejados que nasceram comigo e me acompanham.
Minha sensação, hoje, é de cansaço. Mas não aquele cansaço que faz sentir vontade de desistir. Cansaço daqueles de quando fazemos movimentos e esforços repetitivos, cansaço oriundo da repetição e de se ter atingido o limite e ainda assim continuar sendo insuficiente. Cansaço de saber que tenho apenas 24 anos e uma vida pela frente para continuar correndo entre jaulas, verificando fechaduras, trocando grades e correntes, afim de manter esses monstros detidos e contidos. Talvez, não seja “cansaço” a palavra, mas sim uma imensa desilusão diante da impotência.

Vai ano, vem ano e sou sempre a mesma pessoa suada e descabelada, a mesma carcereira incapaz de controlar os detentos, por maior que seja o esforço. Trabalhando 24h, sem férias, sem folga, sem descanso.

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