quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Ali se ia

   - Alícia!
    
Imagem: Avenida Paulista, São Paulo, SP, Ana Paula Costa. Tumblr


   Ouvia o eco de sua própria voz buscando por Alícia naquele mar de gente indo e vindo, falando ao celular, gesticulando, se misturando na faixa de pedestres até que o semáforo ficasse novamente vermelho e uma fila de carros levasse Alícia embora de vez de sua vida.
Abaixou a cabeça, olhou seus pés, suas mãos na altura do quadril, seus braços largados ao longo do corpo. Respirou fundo e prendeu o ar numa tentativa inútil de conter a dor. Fechou os olhos e lembrou daqueles dedos finos e delicados escorregando de suas mãos para nunca mais tocá-la. Pôde sentir o perfume daqueles fios dourados – quase brancos – sendo despenteados pelo vento enquanto Alícia corria sem rumo.
Virou-se devagar e sentou-se no banco mais próximo. Com as mãos repousadas sobre os joelhos, lembrou do dia em que se conheceram. A primeira vez em que se deparou com o encanto daquele sorriso largo no rosto adornado por sardas pequenas e harmoniosas, que contornavam os olhos pequeninos e azulados. Lembrou-se da sensação “gelada” que tomou conta de seu peito naqueles cinco segundos em que Alícia sorriu. Sentiu as lágrimas quentes e pesadas caírem de seus olhos e serem absorvidas pelo algodão de sua calça marrom.

   - Ah, Alícia! – Sussurrou quando, de cabeça baixa, enfiou os dedos entre os fios de cabelo até chegar com as mãos à nuca, onde cruzou os dedos e ficou imóvel, apenas ouvindo o fluxo sanguíneo e sentindo seu coração bombear o sangue cada vez mais rápido e com mais força.

   Entrou no apartamento – ainda repleto de Alícia; seu perfume, sua bagunça, a louça suja na pia, os chinelos desalinhados ao lado de sua cadeira, o cinzeiro sem caber mais um átomo sequer – tirou os sapatos e deparou-se com sua face desfigurada diante do espelho. Olhou-se de cima abaixo. Pensou como seria sua vida sem Alícia dali em diante. Sentiu seu peito formigar e arder.
Com os cabelos úmidos de suor e colados à testa, foi ao banheiro. Abriu a torneira, ouviu a água correr por alguns instantes. Colocou o rosto embaixo d’água até que ficasse sem ar. Fechou a torneira, levantou o rosto e ouviu barulho de vidro se partindo. Quebrara o copo que Alícia havia esquecido no banheiro, como fazia todos os dias. Viu sua mão esquerda cortada e sangrando; não doía. Passou a mão no espelho à sua frente, como se borrasse sua própria imagem. Não se reconhecia mais. Alícia havia levado consigo sua identidade, seu coração, sua garra de viver.


   - Rápido, moça! Tem um corpo aqui no canteiro! – Berrava o porteiro – Não, são sei se é homem ou mulher, tem sangue pra tudo quanto é lado, não consigo chegar perto!

6 comentários:

  1. Linda a história! Um amor tão profundo que não nos reconhecemos mais sem a pessoa que amamos! Sei como é essa dor desesperadora e esse medo de não conseguir viver sem o outro! Ficou uma história incrível!

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  2. Além de adorar a escrita, amei o trocadilho Ali se ia...Alicia! Você usa as palavras com maestria! Me emociona sempre!

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  3. Realmente sem conhece-la ja a admiro palas belas palavras mais uma que nos deixa com nó na garganta.

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    1. Obrigada, Ricardo! Fico feliz por saber que minha escrita te emociona! Venha sempre! rs

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