terça-feira, 19 de abril de 2016

Blasé

            Naquela sala à meia luz, sentada no tapete, ao lado do cinzeiro de prata e do copo com whisky, se perdeu  nas curvas sinuosas da fumaça que tocava  seu rosto e irritava os olhos. A regravação de Feeling Good, por Avicii, ecoava por todo o ambiente, reverberava os quatro cantos de sua mente – sim, naquele momento ela se sentiu com a mente totalmente quadrada, hermeticamente fechada, sem saída, sem luz, sem ar fresco; com o mesmo cheiro de whisky, cigarro e casa fechada que estava em sua sala.

Imagem
        Flashes em câmera lenta, cenas movendo-se em sua mente na mesma velocidade e intensidade da voz pastosa do vocalista. Imagens esvanecidas, com os tons das fotografias dos anos 70. Sorrisos, abraços, brincadeiras, lágrimas, brigas, reconciliações, esperanças chocando-se com a realidade de algo doentio que há poucos dias ainda era chamado de presente.

            Retornou à realidade, pegou o copo e tomou os três dedos de whisky que encharcaram todas essas lembranças, borraram todas as imagens, deixando algo confuso, atemporal. Recolheu calmamente - com as pontas de seus dedos finos, compridos e gelados, com esmalte descascando - do tapete a bituca e jogou dentro do cinzeiro, acendeu outro cigarro, andou até a janela e pode ver os carros indo e vindo na Avenida Paulista; borrões vermelhos e brancos, na verdade, porque a miopia e o álcool levaram embora a nitidez das imagens – e dos sentimentos, também.

Nenhum comentário:

Postar um comentário