terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Crônicas do Cotidiano VII - Meu desejo

            Nunca acreditei nesse lance de “ano novo, vida nova”. Não consigo ver sentido nessa coisa de que um minuto traz consigo mudanças imensas, encerra ciclos, leva embora pessoas e situações obsoletas, faz com que nasça uma flor de garra no peito para irmos atrás dos nossos objetivos.
            Não é a virada do ano que faz com que a vida mude, com que a gente cresça, com que os problemas acabem. Todo ano é a mesma coisa: pessoas depositando toda a responsabilidade e expectativas no ano novo e maldizendo o ano que finda. Poucos têm a consciência de que o ano não é um sujeito, não tem responsabilidades nem desejos; é apenas uma convenção.
            Se fossemos capazes de olhar para os lados ao menos uma vez por dia, conseguiríamos valorizar as pequenas – grandes – coisas com as quais a vida nos presenteia, seja uma flor no meio do caminho, o sorriso de uma criança, uma conversa com um estranho, um cãozinho abanando o rabinho.... Aprenderíamos a sentir gratidão

            Meu 2015 me fez plantar, cultivar e ver brotar em meu coração a sementinha dessa tal de gratidão. Me fez valorizar minha vida exatamente como ela é, cheia de altos e baixos, de curvas estreitas, tempestades, brisas mornas, e acima de tudo, resiliência. Descobri que posso confiar na mulher que vejo ao olhar meu reflexo no espelho. Aprendi a conviver com minhas fraquezas e limitações sem que elas me façam sentir inferior. Aprendi a amar minhas cicatrizes internas e externas. Aprendi a admirar minha história e ser grata por cada vivência, das menores às maiores, porque elas me fizeram quem sou hoje. Descobri que estar em constante aprendizado é fantástico e que não há nó sem solução, mesmo que ela não seja imediata.
            Nesse ano, descobri que estou me tornando, dia após dia, uma mulher que eu admiraria enquanto criança...E quero manter essa meta até o final da minha vida. Continuar perguntando a mim mesma “eu admiraria uma mulher que tomasse tal atitude? ”.

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            Meu único desejo para 2016 é amor, muito amor. Amor próprio, amor de amizade, amor de família, amor de animaizinhos, de namoro... Amor, porque amando a nós mesmos, conseguimos contornar nossas fraquezas. Amando aos nossos amigos, conseguimos compreender suas falhas sem colocarmos a amizade em risco. Amando a nossa família, a convivência fica mais fácil e leve. Amando nossos animaizinhos – e os dos outros também – nunca nos sentiremos sozinhos e sempre teremos alguém para amarmos incondicionalmente, sem medos ou restrições. E amando aquele alguém especial, a vida fica mais colorida, as borboletas fazem verão no estômago, a pele fica arrepiada e o sorriso marca presença no rosto.

            

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Crônicas do Cotidiano VI - Meu ninho

            Semana passada, navegando no Spotify, conheci uma música do Emicida com a Vanessa da Mata, Passarinhos. Foi amor à primeira vista. A letra me deixou bastante reflexiva e a melodia me encantou. A harmonia com que as notas dançam umas com as outras, a suavidade nas vozes, a levada gostosa e leve. Sem muita concordância, sem maiores floreios, a música passa a mensagem de maneira suave, delicada e direta.
            Aproveitando esse clima “natalino” – embora eu prefira chamar de consumista e hipócrita – que pressupõe a valorização imediata das relações, dos valores considerados importantes pela nossa sociedade e embalada pela “vibe” da música, fiquei pensando sobre essa busca incessante que temos, enquanto humanos, por um ninho, um lar, um colo para ser só nosso, um sorriso que tire a graça dos demais, um olhar que nos deixe completamente desarmados, uma voz que nos faça sorrir com a mesma inocência com a qual sorríamos enquanto crianças; a busca de alguém que traga nossa inocência à tona e nos desperte todos aqueles sentimentos que nos faziam sentir completos enquanto crianças. E não me refiro a cônjuges, me refiro a relações no geral.

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            É muito bom olhar ao redor e ver pessoas que me fazem sentir especial, querida, importante, amada. É gostoso trocar mensagens com minhas amigas e rir até doer a barriga. Me dá segurança saber que sempre que precisar terei um colo para acalmar meu coração. Fico encantada com a magia das relações humanas; vivenciar a transformação de uma relação já meio esfarrapada – como a que sempre tive com minha mãe – transformando-se em uma relação bonita, adquirindo perfume doce e cores vivas e vendo os brotinhos de sentimentos bonitos crescendo.

            Mesmo com o mundo vivendo esse eterno colapso, consigo me sentir segura, cercada por relações baseadas em sinceridade, confiança, alicerces firmes e bem fincados no solo, mas que me fazem tocar as nuvens, pois me permitem ser exatamente como sou. Consigo ter forças para me tornar, a cada dia, uma pessoa melhor, me fazer mais e mais feliz, contribuir para que essas relações sejam cada vez mais belas e fortes, imunes à erosão do tempo.
            Hoje, posso dizer que mesmo com todas as adversidades da vida, com os tropeços em degraus ocos, sou extremamente feliz e grata pela minha vida. Posso viver despida de máscaras e fantasias, posso andar descalça na chuva sem medo de ser atingida por emoções, posso sentir a pele arrepiar sem entrar em pânico. Posso viver meus ricos 22 anos, deitar e rolar na magia de ver a vida com leveza e brincadeiras idiotas que roubam risos gostosos de quem eu amo, que fazem minha cadela abanar o rabinho e fazer manha, que me fazem sentir bem sendo exatamente quem e como sou.
            Em suma, posso dizer que estou construindo meu ninho dentro de mim mesma. Posso dizer que sou grata à vida por ter colocado em meu caminho pessoas imunes à liquidez da sociedade em que vivemos.
            Sou grata por ter minhas amigas escolhidas a dedo.
            Sou grata por estudar o que amo.
            Sou grata por minha família.
            Sou grata por acordar todos os dias e ver minha cadela explodir de alegria.
            Sou grata por poder sorrir e amar de forma leve.
            Sou grata por ser produto da minha história, por ter conseguido aprender a mudar a cadeira de lugar e ver o pôr do sol quantas vezes quiser e por quantos ângulos quiser.
            Sou grata até pelos espinhos que me machucaram tantas vezes e por tanto tempo, porque eles me ensinaram o valor das flores.

            E só para não perder o hábito de fazer confusão no que escrevo:
                        Sou grata por ter apre(e)ndido a gratidão e feito dela meu ninho!


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Crônicas do Cotidiano V - Tempo, és um senhor traiçoeiro

            “Fique”, “Não vá agora”, “Volte”, “Eu gosto de te ter por perto”, “Sorrio quando leio seu ‘bom dia’ na mensagem de texto”, “Sinto ansiedade antes de te encontrar”, “Tenho medo de perder você”, “Morro de ciúme de tal pessoa”. São tantas coisas que as pessoas deixam de dizer mesmo com a incerteza a respeito do amanhã e da possibilidade de um momento que seja "adequado", que me pergunto se realmente vale a pena esse silêncio, sejam quais forem as justificativas.

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            Certa vez, durante duas ou três aulas da faculdade, foi debatido o tema dos tempos Presente, Passado e Futuro. O autor defendia que o Passado trazia segurança, mesmo que narrasse fatos ameaçadores, pois eram apenas história, não ofereciam riscos ao Presente nem aos planos para o Futuro, que por sua vez é incerto, assusta, amedronta, não permite que sintamos segurança, não garante a chegada ao ponto desejado; e o Presente, o aqui e agora, as nossas ações, os milésimos de segundo em que realizamos nossas tarefas para chegarmos ao futuro, e que imediatamente torna-se passado, fazendo com que um novo Futuro apareça.
            Trazendo tais reflexões à minha vida, concluo que Presente, Passado e Futuro, numa dialética bastante complexa, acabam tornando-se uma coisa só; quem sou e o que faço e desejo hoje é fruto do que me aconteceu ontem, o futuro que idealizo é produto do que meu ontem, enquanto potência, fez ser meu hoje, que corresponde à passagem ao ato, ao futuro.
            Muitas vezes, nesse jogo muito louco entre presente, passado e futuro, no intervalo entre potência e ato, passamos por situações traumáticas que nos fazem tomar posturas diferentes diante de uma possível próxima situação que se assemelhe à que nos foi desagradável. Até aí, tudo bem. Mas quando nos damos conta de que por mais parecidas que sejam as situações, serão diferentes as pessoas e circunstâncias que nos cercam, surge a dúvida: “será que está certo agir assim, transferindo para o futuro, numa situação semelhante à que já vivi, as atitudes que gostaria de ter tomado diante daquela que já foi massacrada pelo relógio? ”. Não, não está certo. E não é errado não estar certo, pois é através dos erros que vem a sabedoria. Creio que não esteja certo, porque, se as pessoas e circunstâncias são diferentes, mesmo que a situação seja absurda e abusivamente semelhante, minhas atitudes e decisões deveriam ser adequadas à realidade tal qual se apresenta.
            Quantas oportunidades são perdidas nessas transferências, nessas tentativas incoerentes de “remissão de erros”? Quantos perdões deixamos de liberar, quantas segundas chances vão para o ralo, quantas alegrias dispensamos simplesmente pela vaidade de batermos no peito e dizermos “eu não quebro mais a cara diante de tal tipo de pessoa”? 

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            Da mesma forma que num piscar de olhos o presente se torna passado e nos impulsiona ao futuro, as oportunidades direcionam nossos caminhos na vida e uma escolha feita numa fração de segundo pode mudar nosso rumo para sempre. Não consigo conceber a ideia de "destino”; o que alguns gostam de chamar de “destino”, eu chamo de Produto das Minhas Escolhas. “Ah, mas como explicar o fulano que encontrei por um acaso numa rua X, em tal evento num dia chuvoso em que eu não esperava que nada acontecesse?”. Simples: se o tal fulano estava na rua X, num dia chuvoso, naquele evento, foi porque os gostos do tal fulano são compatíveis aos seus, porque da mesma forma que você optou por estar naquele local, ele também optou. Não consigo ver lógica num simples encontro ao acaso, coincidente. Posso estar sendo cartesiana demais? Sim, posso. Porém, tal visão faz com que a vida faça mais sentido, seja mais fascinante.

            Creio que se conseguíssemos compreender que encontramos o fulano na rua X, naquele dia em que nada estava previsto para acontecer, foi porque nossas escolhas nos levaram até ali e não vale a pena deixar que a oportunidade de ter bons momentos ao lado dele seja levada pelo vento porque a vaidade e o ego esqueceram a porta aberta hoje ao saírem correndo para nocautear as feridas do passado numa rua parecida.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Minha Lótus

            Sabe aquela velha frase clichê “só quem tem um cão sabe o que é amor verdadeiro”? Após os 11 anos e 3 meses mais especiais da minha vida, só me resta a redenção à frase.

3 anos
            É um sentimento inenarrável chegar em casa com um serzinho de mais ou menos 15cm nos braços, ouvir o chorinho, os grunhidinhos, ver aquela coisinha andando toda desajeitada e caindo sentada, passar pelo menos um ano sem ter os pés mordiscados, não poder deixar nada no chão caso não queira encontrar danos nos objetos, encontrar dentinhos pelo quintal, fazer massagem na barriguinha por conta de cólicas, chegar em casa e dar de cara com aquela coisa barriguda e desengonçada abanando o rabinho da maneira mais doce e desajeitada possível e latindo fino e estridente.
            Então, esse serzinho vai crescendo, mudando o latido, andando com mais firmeza, conseguindo subir no sofá e na cama, roubando comida de cima da mesa, abocanhando sapatos e correndo como se não houvesse amanhã, nunca mais saber o que é ter uma cama exclusiva ou ter uma roupa preta que seja de fato preta.
            Nos dias de angústia, é impossível se sentir só; basta olhar para o lado e dar de cara com aquele olhar que diz “estou aqui, você não está só”, em seguida ter uma patinha puxando o braço e ganhar várias lambidas nas lágrimas de um serzinho com as orelhinhas abaixadas e o rabinho freneticamente movendo-se da direita para a esquerda. Fora os “cutucões” no queixo com o focinho, impelindo a realmente levantar a cabeça.


5 anos
            Poder dividir as alegrias, correr pela casa, tomar banho de sol, brincar de cabo de guerra, se esconder embaixo das cobertas e ser pisoteada e babada para depois morrer de rir, poder compartilhar todo e qualquer segredo com a certeza de não ser julgada ou reprimida, passar exatos 15 min fora de casa e ser recepcionada como se voltasse de uma viagem ao redor do mundo, acordar com algo gelado fungando bem no meio da cara, abrir os olhos e ver aquela coisa de olhar doce abanar o rabinho e explodir de felicidade após um sorriso, são coisas que realmente só quem tem um cão sabe a sensação.


6 anos
            Hoje, olho para o lado e vejo uma senhorinha gorda, desajeitada (não, isso não ficou na infância canina, ela continua desajeitada igual a mim), com os bigodes grisalhos e alguns pelos brancos pelo corpo. Toda a agitação dos áureos anos, hoje transformou-se em calmaria. Os olhinhos ainda brilham, ainda emanam um amor incondicional, mas estão ficando com a íris – que guarda tantas memórias e histórias – azulada e opaca. A ração tem de ser mole, pois já não consegue morder coisas muito duras. Muitas vezes ela dorme um sono pesado e me assusta. O que antes era algo trivial, como vir correndo e subir na minha cama, pisoteando meus pés como se fossem de borracha, hoje já não é tão fácil; há vezes em que tenho de ajudá-la; ela fica em pé, com as patinhas dianteiras na beirada da cama e me olha com aquele ar de “me ajuda?”. 


7 anos
            É lógico que eu te ajudo, minha parceira! Te ajudo, te cuido, te mimo, te amo e sou capaz de qualquer coisa por você! Começamos nossa história juntas, você cresceu comigo, me deu colo, me impediu de inúmeras burradas com seu jeitinho doce, me protege até de mim mesma, me trouxe uma alegria que não sei mensurar, me conquistou por completo com seu chorinho constante e seu olhar dengoso, com seu jeito preguiçoso. Lambe minhas lágrimas e festeja minhas alegrias. Como posso não te amar incondicionalmente?





8 anos
            Hoje, vivendo a aposentadoria, já velhinha e mais preguiçosa do que sempre foi, ela me faz ficar com o coração um tanto quanto apertado. Não consigo, por maior que seja meu esforço, imaginar minha vida sem os pisões que ela dá nos meus pés, sem seu latido senil ao me ver chegar, sem seus arrotos a um palmo do meu nariz. Não sei se ainda lembro como é dormir sozinha na cama, sem ter de me posicionar em forma de “S”. Não consigo mais tomar banho sozinha, sem tê-la deitadinha no canto mais distante possível do box me olhando com cara de “você não vai me dar banho, né?”.


9 anos
            Sou grata, muito grata ao Universo por tê-la colocado em meu caminho. Sou grata por ter descido no ponto errado naquele 16 de Agosto de 2004, ter ido ao pet shop e a visto deitadinha, dormindo enroladinha – como dorme até hoje – e trazido para casa comigo. Sou grata por tudo o que aprendi e aprendo com ela dia após dia. Sou grata por ela me fazer sentir esse amor absurdo, que me dá um nó na garganta. Sou grata pela sua confiança. Sou grata por ela estar sempre ao meu lado, por ser minha “parceira de crime”, minha preguiça ambulante, meu pedacinho de dengo e manha, minha mocinha linda, com o olhar mais doce que já tive a oportunidade de ver.




10 anos
            Obrigada por existir, minha Flor de Lótus! Obrigada por encher minha vida com poesia a cada latido, a cada abanar de rabo, a cada manha, a cada olhar terno, a cada gesto de confiança. Você me faz ser uma pessoa melhor a cada dia. Você me mostra o quão preciosa é a vida com amor.
Peço que o universo te dê muita saúde e muitos anos de vida, pois ainda temos muitas coisas pela frente e você vai sempre comigo, não importa aonde nem como. E mesmo depois que você cumprir sua missão aqui nesse mundo, tenho certeza que nos reencontraremos e você virá correndo para os meus braços, como faz desde que chegou em minha vida, todas as vezes em que chego em casa.





11 anos

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Crônicas do Cotidiano IV - Depois do abraço

            Depois do abraço, o cheiro continua envolvendo o corpo. É como se um pedaço da pessoa permanecesse conosco mesmo após a partida. Dá uma sensação de conforto, de colo. Traz carinho ao coração, mantém viva a vontade de cuidar, de querer ter por perto, de encher de beijos, de acariciar a face e beijar a boca com ternura, com entrega. Basta fechar os olhos para poder reviver cada segundo dentro do abraço, ouvindo a respiração, a temperatura dos corpos, sentindo os corações batendo juntos, os rostos colados, as mãos apertando, sentindo o corpo do outro.
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            Vejo o “depois do abraço” análogo ao “depois do café”. O gosto permanece na boca tal qual a sensação do corpo a corpo permanece no sistema sensorial. Assim como a bebida permanece dentro de nosso corpo, um pedacinho do outro também permanece dentro do coração; é como se esse pedacinho já morasse aqui e o abraço viesse para regá-lo. O aroma do café permanece no ar por algum tempo, assim como o cheiro do outro sutilmente envolve as narinas. Da mesma forma que alguns fecham os olhos para, ao privarem-se de demais estímulos, sentirem melhor o gosto do café, durante o abraço os olhos também são fechados a fim de sentir a alma do ouro. A xícara, como alguns fios de cabelo, mantém fresca a memória, atestando a veracidade do encontro, seja dos corpos, seja do lábio com o café.
            Talvez, para os outros, o abraço sempre tenha tido esse significado que hoje tem para mim. Confesso que sempre fui meio avessa a qualquer tipo de toque, de proximidade. Sempre fiz com que detalhes – como o cheiro da pessoa, os fios de cabelo, a respiração, a sensação de estar nos braços de alguém – passassem em branco. Sempre tive medo de ser tocada. Nunca me senti bem ao permitir que vissem, logo de cara, os arranhões e as feridas que trago aqui dentro. Talvez porque nunca tivessem olhado com cuidado e respeito, mas com ímpeto de “curar”.

            Sou grata ao tempo e às circunstâncias que me trouxeram essa nova percepção acerca do abraço.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Laços

            Chegou à igreja. As portas já haviam sido fechadas. Podia ouvir a música tocar e sentir o perfume dela na escadaria. Enquanto subia os degraus, imaginava que os pés dela haviam tocado aquele cimento rachado há poucos instantes.

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            Entrou. Se escondeu próximo à porta e pôde vê-la de costas. Véu longo, vestido rendado cor de champagne, seus fios claros misturavam-se ao tecido do véu.
            Acompanhou toda a cerimônia. As palavras do padre reverberando, ecoando, escorregando pelas abóbadas da igreja assim como lágrimas escorriam por seu rosto.
            No momento da troca de alianças, quando ela virou-se de lado, pôde ver o rosto dela. Maquiagem leve, boca rosada, aquele olhar melancólico e doce, porém distante. Pôde ver em slowmotion a aliança sendo colocada em seu dedo, as mãos trêmulas. Nesse momento, soluçou, não pôde conter a angústia que brotou em seu peito e saiu como um tsunami de lágrimas e desespero.
            O beijo selou o compromisso que ela acabara de firmar com outro alguém. Todos aplaudiram. Abaixou a cabeça e suspirou numa tentativa de recuperar as forças, se conformar e finalmente deixar aquele local eleito para roubá-la de uma vez por todas.
            “E todos os momentos que dividimos, todas as farpas que trocamos, os nossos beijos e abraços apaixonados, as coisas que aprendemos? Morreram aqui, assim, abruptamente?”, pensou.
            Assim que levantou a cabeça, procurando o caminho de volta para a nova vida – sem ela, sem os segredos, sem o “nós” – seus olhares cruzaram. Sentiu seu corpo gelar, o coração acelerar, asminhas mãos suarem e tremerem. Foi como se o tempo parasse. Se olharam fundo nos olhos, foi como se os olhos dela mostrassem um filme de tudo o que viveram nos anos em estiveram lado a lado. Deixou o buquê cair no chão, ficou branca como cera, com os lábios entreabertos.
            Chegou em casa, fechou a porta e gritou. Gritou com toda a alma, com as entranhas, com as vísceras, com cada célula do corpo. Um grito que misturava horror, medo, desespero, agonia, saudade, incerteza... Sentou no chão, com as pernas encolhidas e chorou copiosamente, tentando expurgar a dor de ver aquele ser tão peculiar, cheio de detalhes grafados na alma, cheio de encantos e curvas casar-se, unir-se a outra pessoa, a qual não se sabe se será capaz de oferecer-lhe o devido cuidado, atenção e compreensão. Chorou por saber que havia perdido mas ainda havia laços que mantinham a união, tecidos a quatro mãos.
            Acordou com o som da campainha. Procurou o celular no meio das cobertas no sofá. Eram 6:43 da manhã. O porteiro não havia interfonado, não estava esperando ninguém e alguém jamais apareceria a esse horário caso prezasse pela vida. Ao fundo, Sam Smith inundava o ambiente com Latch.
            Foi tateando os móveis e a parede. Tropeçou nos sapatos e roupas espalhados pelo apartamento. A campainha tocava incessantemente.
            Após algumas tentativas, acertou a fechadura e abriu a porta.

            Era ela.

            Não disse nada. Apenas abriu os braços e olhou daquele jeito doce e perdido que lhe roubara o coração desde a primeira vez em que se viram. E conseguira roubar outra vez.