sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Crônicas do Cotidiano V - Tempo, és um senhor traiçoeiro

            “Fique”, “Não vá agora”, “Volte”, “Eu gosto de te ter por perto”, “Sorrio quando leio seu ‘bom dia’ na mensagem de texto”, “Sinto ansiedade antes de te encontrar”, “Tenho medo de perder você”, “Morro de ciúme de tal pessoa”. São tantas coisas que as pessoas deixam de dizer mesmo com a incerteza a respeito do amanhã e da possibilidade de um momento que seja "adequado", que me pergunto se realmente vale a pena esse silêncio, sejam quais forem as justificativas.

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            Certa vez, durante duas ou três aulas da faculdade, foi debatido o tema dos tempos Presente, Passado e Futuro. O autor defendia que o Passado trazia segurança, mesmo que narrasse fatos ameaçadores, pois eram apenas história, não ofereciam riscos ao Presente nem aos planos para o Futuro, que por sua vez é incerto, assusta, amedronta, não permite que sintamos segurança, não garante a chegada ao ponto desejado; e o Presente, o aqui e agora, as nossas ações, os milésimos de segundo em que realizamos nossas tarefas para chegarmos ao futuro, e que imediatamente torna-se passado, fazendo com que um novo Futuro apareça.
            Trazendo tais reflexões à minha vida, concluo que Presente, Passado e Futuro, numa dialética bastante complexa, acabam tornando-se uma coisa só; quem sou e o que faço e desejo hoje é fruto do que me aconteceu ontem, o futuro que idealizo é produto do que meu ontem, enquanto potência, fez ser meu hoje, que corresponde à passagem ao ato, ao futuro.
            Muitas vezes, nesse jogo muito louco entre presente, passado e futuro, no intervalo entre potência e ato, passamos por situações traumáticas que nos fazem tomar posturas diferentes diante de uma possível próxima situação que se assemelhe à que nos foi desagradável. Até aí, tudo bem. Mas quando nos damos conta de que por mais parecidas que sejam as situações, serão diferentes as pessoas e circunstâncias que nos cercam, surge a dúvida: “será que está certo agir assim, transferindo para o futuro, numa situação semelhante à que já vivi, as atitudes que gostaria de ter tomado diante daquela que já foi massacrada pelo relógio? ”. Não, não está certo. E não é errado não estar certo, pois é através dos erros que vem a sabedoria. Creio que não esteja certo, porque, se as pessoas e circunstâncias são diferentes, mesmo que a situação seja absurda e abusivamente semelhante, minhas atitudes e decisões deveriam ser adequadas à realidade tal qual se apresenta.
            Quantas oportunidades são perdidas nessas transferências, nessas tentativas incoerentes de “remissão de erros”? Quantos perdões deixamos de liberar, quantas segundas chances vão para o ralo, quantas alegrias dispensamos simplesmente pela vaidade de batermos no peito e dizermos “eu não quebro mais a cara diante de tal tipo de pessoa”? 

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            Da mesma forma que num piscar de olhos o presente se torna passado e nos impulsiona ao futuro, as oportunidades direcionam nossos caminhos na vida e uma escolha feita numa fração de segundo pode mudar nosso rumo para sempre. Não consigo conceber a ideia de "destino”; o que alguns gostam de chamar de “destino”, eu chamo de Produto das Minhas Escolhas. “Ah, mas como explicar o fulano que encontrei por um acaso numa rua X, em tal evento num dia chuvoso em que eu não esperava que nada acontecesse?”. Simples: se o tal fulano estava na rua X, num dia chuvoso, naquele evento, foi porque os gostos do tal fulano são compatíveis aos seus, porque da mesma forma que você optou por estar naquele local, ele também optou. Não consigo ver lógica num simples encontro ao acaso, coincidente. Posso estar sendo cartesiana demais? Sim, posso. Porém, tal visão faz com que a vida faça mais sentido, seja mais fascinante.

            Creio que se conseguíssemos compreender que encontramos o fulano na rua X, naquele dia em que nada estava previsto para acontecer, foi porque nossas escolhas nos levaram até ali e não vale a pena deixar que a oportunidade de ter bons momentos ao lado dele seja levada pelo vento porque a vaidade e o ego esqueceram a porta aberta hoje ao saírem correndo para nocautear as feridas do passado numa rua parecida.

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