quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Confissões de uma péssima inquilina

Alguns dias, sou barulhenta demais. Outros, meu silêncio coloca em dúvida minha existência.
Não cumprimento vizinhos, simplesmente abaixo a cabeça e os atravesso como se fossem seres etéreos. Vez ou outra, sento na janela e sorrio para Deus, o mundo e mais um, distribuindo flores a quem se dispuser a simplesmente me devolver um sorriso, mesmo que apenas com o olhar.

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Ha dias em que a casa está colorida, cheirosa, limpa e aconchegante, pronta para acolher com amor e carinho a todos que desejarem entrar, passar pela porta florida. Há outros em que o cheiro de mofo e a escuridão embriagam até a mim.
Nem sempre cuido das rachaduras nos muros do quintal. Em algumas manhãs, acordo desejando substituí-lo por uma linda cerquinha branca que proteja meus girassois (proteger de quê, exatamente, não sei. Vai ver, é aquele medo humano de ter sua “propriedade” saqueada, mesmo que tal propriedade seja alugada, emprestada, cedida. O que tem lá é meu e vou proteger, mesmo que seja com uma cerquinha branca e baixa, afinal, para algo ter significado real, deve, primeiro, ter significação mental e é o tamanho desta que, ao ser transposto à realidade, acalma a ansiedade diante da possibilidade de ter os desejos contrariados, no caso, ter meus girassois roubados por algum tolo apaixonado que deseje agradar a quem ama – o que, num dia bom, seria totalmente perdoável).
Nunca pago em dia as parcelas do aluguel. É como se o atraso fosse a regra. Nunca gostei de relógio, de tempo. O tic-tac sempre me deixou exasperada. É como se o barulho do relógio fosse o som da vida moendo meus sonhos lentamente... tic-tac... lá sei a vai a inocência... tic-tac... adeus pessoas que amo... tic-tac... mais uma porta batida sem dó... tic-tac, tic-tac, tic-tac! Tempo, para mim, nunca foi cronológico, sempre foi funcional. Uma hora pode ter a duração de um ano, só depende do fato que ela antecede. Dez anos podem passar num piscar de olhos e só nos darmos conta ao encontrarmos aqueles fios grisalhos que não habitavam o couro cabeludo há tão pouco tempo.
Não espere encontrar um ser sorridente e arrumado ao tocar a campainha. Contente-se com meu pijama de mendigo, meus cabelos engruvinhados em volta de algum elástico velho, meias largas e cara feia. Odeio som de campainha. Acho uma imensa invasão. O fulano aparece quando dá na veneta, toca aquela merda até que ela se torne uma maneira de coerção e me faça, finalmente, assumir que estou em casa. E o meu direito de simplesmente não querer interagir? E a minha vontade de permanecer entregue às entranhas do meu mundo? Vão para a casa do chapéu, não é mesmo? O importante é estar sempre bem, sempre dizer o que quer ser escutado e absorvido, estar sempre disposta e sorridente, ser uma excepcional anfitriã!
Em suma, não venha à minha casa se não for convidado. Vou bater a porta na tua cara.
Não queira os meus girassois a menos que eu lhe ofereça. Eles são meus!
Não espere que eu siga as regras universais, que cumpra prazos e horários. Não vou abaixar a música às 22h porque meu tempo é diferente do teu.
Não idealize uma pessoa sensata caso me veja sentada na janela olhando para cima e cantarolando alguma canção sentimental.
Não me queira como inquilina se não pretende ser um proprietário com imensa capacidade de compreensão, delicadeza, cuidado, carinho e acima de tudo, respeito.


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